APRESENTAÇÃO
Diversos factores, ambientais e outros, condicionam o desenvolvimento dos sistemas cársicos: litologia, tectónica, clima (precipitação e temperatura), pressão parcial de CO2, tipo de solo, vegetação e hidrologia (nível do mar, nível de base regional e origem das águas), para além da actividade antrópica.
Assim, face à instabilidade dos factores estruturais de natureza geológica, os sistemas cársicos, com ou sem funcionamento hidrológico activo, constituem um importante arquivo de informações acerca das transformações climáticas e ambientais a que estiveram sujeitos ao longo da sua evolução. Mais, graças às suas características próprias (particularmente pelo relativo isolamento face ao meio exterior), os sistemas cársicos têm a capacidade de preservar este registo paleoclimático e paleoambiental.
A génese e evolução anteriores das cavidades permitem conhecer melhor as dinâmicas actuais dos sistemas endocársicos e estas são a chave para tentar inferir a sua evolução futura, particularmente as transformações que decorrem das ameaças extrínsecas ao sistema, tanto no que diz respeito aos quadros mais gerais de transformação climática global, como aos quadros regionais e locais decorrentes de algumas actividades económicas desenvolvidas em áreas cársicas.
O trabalho das equipas de espeleólogos nos maciços carsificados portugueses resumem-se à inventariação, reconhecimento e topografia das cavidades que, em parte significativa dos casos, nem sequer tem sido alvo de publicação. De facto, no nosso país, não são muito frequentes os estudos científicos sobre o meio cársico subterrâneo e não se conhecem trabalhos integradores com as características do apresentado neste projecto. Constitui excepção os trabalhos de Crispim (1995; 1999*) sobre algumas cavidades do Maciço Calcário Estremenho e da Serra da Arrábida.
Pela especificidade genética e evolutiva, pelo valor patrimonial de que se revestem, bem como pela sua fragilidade ambiental, os sistemas cársicos portugueses estão quase todos integrados na rede nacional de áreas protegidas, o que implica condições específicas de gestão territorial. Daí que o aumento de conhecimento sobre o sistema endocársico e a possibilidade de prever impactes das actividades antrópicas sejam especialmente importantes em termos de gestão e de ordenamento do território, com relevância para instituições públicas e privadas.
O projecto CAVE propõe uma abordagem integrada, fundada na análise de vários arquivos paleoclimáticos de grutas e depósitos cársicos. Destes, os mais importantes serão os correspondentes à análise de isótopos estáveis e datações absolutas de espeleotemas (formações essencialmente de calcite em gruta) e à análise das propriedades dos sedimentos cársicos fluviais, lacustres e outros. A maior parte destes depósitos contém informação relevante para o estudo da evolução paleoclimática à escala regional, mostrando por vezes vestígios arqueológicos de ocupação humana.
Piero Netti - FSP 2010
Piero Netti - FSP 2010
A análise integrada de diferentes tipos de evidências (espeleotemas, sedimentos detríticos, restos de fauna cavernícola e vestígios arqueológicos) provenientes do mesmo ambiente cársico permitirá: ultrapassar as limitações dos diversos métodos de datação radiométrica; combinar registos climáticos complementares numa interpretação sintética; identificar condicionamentos e particularidades regionais das oscilações climáticas.
*CRISPIM, J.A. (1999) - Seismotectonic versus man-induced morphological changes in a cave on the Arrábida chain (Portugal). Geodinamica Acta (Paris), 12, 3-4: 135-142.
CRISPIM J. A. (1995) - Dinâmica cársica e implicações ambientais nas depressões de Alvados e Minde. Tese de Doutoramento, Lisboa, 394p.